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Os_deslocamentos_da_dialetica_introducao.docx
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A crise da linguagem filosófica

Aqui, podemos chegar a um ponto final. Dos três ensaios que compõem os Três estudos sobre Hegel é “Skoteinos ou Como ler” que talvez evidencie de maneira mais forte a distância entre Hegel e Adorno. Não por acaso, trata-se de um ensaio sobre a linguagem filosófica e suas ilusões de sistematicidade. Mas neste ponto de maior distância a diferença entre Adorno e Hegel aparece como uma estranha diferença entre Hegel e ele mesmo.

Há duas teses fundamentais pressupostas no ensaio de Adorno. Primeiro, que a dialética coloca-se em confronto aberto com a linguagem do senso comum, pois ela procura mostrar como a experiência filosófica só começa lá onde o regime de clareza e distinção naturalizado pelo senso comum é denunciado como expressão de uma consciência reificada das coisas. Pois o senso comum não é uma linguagem desinflacionada do ponto de vista metafísico. Ao contrário, ele é a naturalização de uma metafísica que não tem coragem de dizer seu nome e que, no estágio atual do capitalismo avançado, articula-se com os modelos de abstração próprios à racionalidade instrumental que imperam na redução da linguagem à dimensão de instrumento de comunicação. Na crítica da linguagem clara do senso comum, a crítica dos modos de mediação social no capitalismo aproxima-se da reflexão metafísica sobre a natureza anti-predicativa do que se manifesta fragilizando toda determinação.

Sendo assim, a linguagem filosófica dotada de força crítica será vista pelo senso comum, necessariamente, como uma linguagem da opacidade. Apenas os filósofos obscuros deixarão claro o esforço da língua em dizer aquilo que não se submete ao padrão de visibilidade herdado da praça do mercado. Daí uma afirmação importante como : “Se a filosofia pode ser de algum modo definida, ela é um esforço para dizer aquilo sobre o que não se pode falar”74.

Mas se a opacidade paradoxalmente tem uma precisão na descrição de objetos, se ela fornece uma inteligibilidade que não se confunde com a clareza, é porque a dialética como linguagem filosófica é, necessariamente, uma linguagem capaz de servir-se produtivamente de sua própria inadequação. Ela não se deixa fascinar pela força ordenadora inspirada por uma certa leitura positivista da matemática e da lógica. Ao contrário, como linguagem que se serve de sua própria inadequação, ela parecerá a expressão de um imigrante que aprende uma língua estrangeira:

Impaciente e sob pressão, ele tende a operar menos com o dicionário do que ler tudo aquilo a que tem acesso. Dessa forma, muitas palavras se revelarão na verdade graças ao contexto, mas permanecerão extensamente circundadas por um halo de indeterminação, suportarão confusões risíveis, até que, por meio da riqueza de combinações em que aparecem, elas se desmistificam totalmente e melhor do que permitiria um dicionário, no qual a escolha dos sinônimos está presa a todas as limitações e à falta de sofisticação linguistica75.

A opacidade semântica própria a este “halo de indeterminação” não desaparece diante do ganho na habilidade pragmática do imigrante que descobre a riqueza de combinações da língua estrangeira. Ela é condição para tal riqueza, pois é autorização para o desvelamento de relações potenciais que se revelam na contingência, relações que o falante nativo não saberia como fazer ressoar, mas que o imigrante encontra. Não por acaso, é esta mesma metáfora do imigrante diante de uma língua estrangeira que Adorno usará para falar da situação do compositor contemporâneo.

No entanto, e esta é a segunda tese do ensaio, Adorno insistirá que Hegel age como quem não suporta estar diante desta linguagem da inadequação na qual a dialética se transformou. Ele parece em vários momentos, dirá Adorno, lutar contra essa linguagem que ele mesmo colocou em marcha. Ou seja, paradoxalmente, é como se Adorno estivesse a dizer que Hegel seria simplesmente incapaz de se reconciliar com a sua própria linguagem filosófica, de penetrar no quimismo de sua própria forma linguística: “Ele teria preferido escrever filosofia na maneira tradicional, sem que a diferença da sua filosofia em relação à teoria tradicional se refletisse na linguagem”76. Mas a natureza especulativa de seu pensamento lhe impediu de escrever em sua forma preferida, como se o objeto acabasse por exigir um estilo no qual o sujeito não se reconhece. Contrariamente ao seu objeto, o sujeito Hegel estaria ainda vinculado a uma noção da linguagem baseada no primado da fala sobre a escrita (tema maior das leituras sobre Hegel feitas por Derrida). Linguagem compreendida como simples meio de comunicação, e não: “como aquele aparecer da verdade que, tal como na arte, a linguagem deveria ser para ele”77. Como dirá Adorno, o homem que refletiu sobre toda reflexão não refletiu sobre a linguagem. Por isto, ela será, para Hegel, um instrumento de comunicação, e não o aparecer de uma verdade que não comunica, mas que corta a fala em um ato inesperado de criação e que faz deste corte o motor de uma escrita.

Neste sentido, o cerne da crítica de Adorno parece ser a incapacidade de Hegel compreender a crise da linguagem filosófica e a maneira com que a linguagem só tira sua força da reflexão sobre sua própria crise. Mas isto só seria possível para alguém fiel à experiência estética de ruptura que Hegel não conheceu. Experiência que Adorno vivenciou como o acontecimento decisivo de sua experiência filosófica e de seu tempo. Experiência que nos mostra como o aparecer da verdade só é possível em uma linguagem que reflete sobre sua própria crise, mas que sabe transformar sua crise histórica em manifestação metafísica.

De toda forma, não deixa de ser irônico descobrir como Hegel, que passou à história como o sinônimo de construtor de um sistema fechado e enciclopédico, no qual a totalidade se afirmaria sem falhas em uma rede de necessidades, conviveu de maneira tão próxima com este aparecer da verdade do qual fala Adorno. Pois podemos até mesmo dizer que foi na meditação da experiência pessoal de Hegel com sua própria fala (o que coloca um grão de areia na idéia da linguagem centrada na fala como prisioneira do princípio de identidade) que toda uma tradição filosófica acabou por encontrar seu caminho. Terminemos então dando voz mais uma vez a ela, através da descrição de seu aluno, Hotho:

Exausto, mal-humorado, lá estava ele sentado, recolhido em si mesmo com a cabeça inclinada e, enquanto falava, folheava e procurava continuadamente em seus longos cadernos para a frente e para trás, de cima a baixo; a tosse e o constante pigarro interrompiam o fluxo do discurso. Todas as frases permaneciam isoladas e vinham à tona penosamente, fragmentadas e em total desordem. Cada palavra e cada sílaba se desprendiam apenas a contragosto, numa voz metálica, para receber num dialeto suábio aberto uma ênfase assombrosamente exagerada, como se cada uma delas fosse a mais importante de todas [...]. Uma oratória que flui suavemente pressupõe ter chegado a termo com seu objeto, interna e exteriormente, e a destreza formal permite deslizar verborrágica e graciosamente no médio e no baixo alemão. Mas esse homem tinha de desafiar os pensamentos mais poderosos desde o solo mais profundo das coisas, e se elas tivessem um efeito vívido, deveriam ser novamente produzidas por ele num presente cada vez mais vivo, mesmo que tivessem sido ponderadas por muito tempo e retrabalhadas ao longo dos anos78.

Este homem que lutava contra a impotência de cada palavra e cada sílaba, que as arrancava à força de sua condição, tão bem descrita por Mallarmé, de moeda sem face que se passa de mão em mão em silêncio, foi quem novamente colocou o pensamento nos trilhos da dialética.

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