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Os_deslocamentos_da_dialetica_introducao.docx
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O mais desastroso desentendimento desde Kierkegaard

Talvez o melhor exemplo a respeito desta concepção processual de totalidade seja a dialética entre sujeito e objeto, já que a relação dialética entre sujeito e objeto é a base metodológica para a compreensão das relações entre forma e material, conceito e intuição, identidade e diferença, entre tantos outros. De fato, há uma proximidade nem sempre relevada a respeito da dialética entre sujeito e objeto em Hegel e Adorno. Proposição que pode parecer inicialmente disparatada e ir na contramão de várias asserções explícitas do próprio Adorno. Pois em mais de um momento, Adorno age como quem afirma que Hegel não pode levar a dialética sujeito-objeto às suas reais conseqüências. Daí a necessidade de afirmações como:

O sujeito-objeto hegeliano é sujeito. Isso esclarece a contradição não resolvida no que se refere à exigência do próprio Hegel de uma coerência total, segundo a qual a dialética sujeito-objeto, que não é subordinada a nenhum conceito superior abstrato, perfaz o todo e, entretanto, se realiza por sua vez como a vida do Espírito absoluto28.

Adorno reconhece o momento de verdade da crítica hegeliana da oposição entre a consciência que concede forma e a simples matéria. Ele sabe que a construção da consciência-de-si como unidade especulativa entre sujeito e objeto abre espaço para pensarmos a partir da própria coisa, já que ela não é relegada à condição de simples matéria impensada. Neste sentido, Adorno insiste que, para Hegel:

mediação nunca significa, como a pintou o mais desastroso desentendimento desde Kierkegaard, um meio entre os extremos, mas a mediação ocorre por meio dos extremos e nos próprios extremos; esse é o aspecto radical de Hegel, que é irreconciliável com todo moderantismo [Moderantismus]29.

Esta mediação por meio dos extremos é, no entanto, a maneira com que a própria dialética negativa funciona. O que demonstra quão equivocada são perspectivas que procuram diferenciar a dialética hegeliana e a dialética adorniana a partir da pretensa distinção entre seus modelos de mediação30. Tanto é assim que Adorno dará um nome para tal mediação por meio dos extremos e nos próprios extremos que estaria entre operação na dialética entre sujeito e objeto: mimese. Mas Adorno aproxima, de maneira explícita, negação determinada hegeliana e mimese, como vemos em uma afirmação como:

O conceito especulativo hegeliano salva a mimese por meio da autoconsciência do Espírito: a verdade não é adaequatio, mas afinidade e, no idealismo em declínio, esse retorno da razão à sua essência mimética é revelada por Hegel como seu direito humano31.

Assim, longe de se reduzir a uma relação meramente projetiva entre sujeito e objeto, a dialética hegeliana reconhece afinidades miméticas que modificam a identidade dos dois pólos. Mas isto significa necessariamente reconhecer que o sujeito encontra, no interior de si mesmo, um “núcleo do objeto”32, isto no sentido de uma opacidade própria à resistência do que se objeta à apreensão integral da consciência33. Este reconhecimento, por sua vez, é a maneira com que uma certa reconciliação opera na dialética negativa todas as vezes que Adorno fala da relação entre sujeito e objeto como uma “comunicação do diferenciado”34.

Mas, da mesma forma que é impossível, ao mesmo tempo, guardar o bolo e comê-lo, não é possível dizer, ao mesmo tempo, que “o sujeito-objeto hegeliano é sujeito” e que “o conceito especulativo hegeliano salva a mimese por meio da autoconsciência do Espírito”. Pois no primeiro caso temos uma projeção irrefletida, enquanto no segundo ainda temos uma projeção, mas submetida à dupla reflexão de quem compreende a necessidade de internalizar o momento de resistência do objeto à organização conceitual.

Neste sentido, lembremos como o pensamento mimético, para Adorno, não é um modo de pensamento marcado pela crença na força cognitiva das relações de semelhança e de analogia. A imitação própria ao pensamento mimético é, principalmente, compreendida como a capacidade transitiva de se colocar em um outro e como um outro. A mimese seria modo de superar a dicotomia entre eu e outro (seja tal dicotomia construída na forma sujeito/objeto, conceito/não-conceitual ou cultura/natureza) através da identificação com aquilo que me aparece como oposto. Ela é, neste contexto, internalização das relações de oposição, transformação de um limite externo em diferença interna. Não a mera imitação do objeto, mas a assimilação de si pelo objeto. Por isto, Adorno descreverá a mimese como um regime de mediação por meio dos extremos e nos próprios extremos35. Mediação capaz de construir um modelo de reconciliação que o filósofo chamará de “comunicação do diferenciado”.

Se Adorno afirma que o conceito especulativo hegeliano salva a mimese, o que pressupõe a idéia de que a racionalidade mimética e a racionalidade conceitual não tem entre si uma relação de negação simples, é porque afirmações como: “O Eu é o conteúdo da relação e a relação mesma, defronta um Outro e ao mesmo tempo o ultrapassa; e esse Outro, para o Eu, é apenas ele próprio”36 não podem simplesmente significar a submissão da relação sujeito-objeto à estrutura projetiva do sujeito. Se o Eu é ao mesmo tempo a forma e o conteúdo da relação é porque algo da opacidade do conteúdo à forma já é interno ao próprio Eu. Esta mediação por meio dos extremos da forma e do conteúdo já é uma mediação interna ao Eu. O que implica internalização da alteridade para o âmago do Eu37.

É assim que podemos ler uma afirmação como: “A consciência-de-si é a reflexão, a partir do ser do mundo sensível e percebido; é essencialmente o retorno a partir do ser-Outro”38. Podemos compreender tal passagem da consciência-de-si pela alteridade do ser do mundo sensível percebido, com seu posterior retorno, levando em conta como, na certeza sensível e na percepção, a consciência teve a experiência de resistência do objeto às tentativas de aplicação do conceito à experiência. No próprio campo da experiência, ela confrontou com algo que negava a aplicação do conceito à experiência, tendo a experiência de uma diferença em relação ao conceito, uma diferença vinda do objeto. Retornar de seu ser-Outro é assim internalizar tal diferença, re-orientando não apenas as relações ao objeto, mas também as relações de identidade no interior do si mesmo.

Tal reconhecimento de si no que há de opaco no objeto parece-me uma operação central na estratégia hegeliana, já que ela nos leva ao capítulo final da Fenomenologia. Neste momento central de reconciliação, Hegel apresenta um julgamento infinito (unendlichen Urteil)39 capaz de produzir a síntese da dialética entre sujeito e objeto. Trata-se da afirmação: “o ser do eu é uma coisa (das Sein des Ich ein Ding ist); e precisamente uma coisa sensível e imediata (ein sinnliches unmittelbares Ding)”. Desta afirmação, segue-se um comentário: “Este julgamento, tomado assim como imediatamente soa, é carente-de-espírito, ou melhor, é a própria carência-de-espírito”, pois se compreendemos a coisa sensível como uma predicação simples do eu, então o eu desaparece na empiricidade da coisa – o predicado põe o sujeito: “mas quanto ao seu conceito, é de fato o mais rico-de-espírito”40. Trata-se de afirmações de importância capital pois nos demonstram que, ao menos na Fenomenologia, o término do trajeto especulativo só se dá com o julgamento: “o ser do eu é uma coisa”. Aqui se realiza o reconhecimento de que: “a consciência de si é justamente o conceito puro sendo-aí, logo empiricamente perceptível (empirisch wahrnehmbare)"41. Mas se trata de uma modalidade de reconhecimento que só se efetiva quando o sujeito encontra, em si mesmo e de maneira determinante, um núcleo do objeto. Encontro que não é subsunção simples do objeto, mas insistência na racionalidade do movimento do Espírito em integrar continuamente o que inicialmente aparece como opaco às determinações de sentido. Tais colocações devem ser levadas em conta para compreendermos melhor a processualidade própria à totalidade hegeliana. Colocações que o próprio Adorno reconhece sua pertinência ao afirmar:

Por mais que nada possa ser predicado de um particular sem determinidade e, com isso, sem universalidade, o momento de algo particular, opaco, com o qual essa predicação se relaciona e sobre o qual ela se apóia, não perece. Ele se mantém em meio à constelação; senão a dialética acabaria por hipostasiar a mediação sem conservar os momentos da imediaticidade, como aliás Hegel perspicazmente o queria42.

Um “aliás” bastante sugestivo.

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